sexta-feira, 15 de novembro de 2024

O melhor pai que alguém poderia ter – por Bia Borges

“Quem vai participar do teatro do Dia dos Pais?” Perguntou a professora dos adolescentes da classe do Marcelo. “Não faltem! Vamos fazer uma programação muito especial aqui na igreja!”

            “Ah, não!” Pensou ele. “Já está chegando agosto de novo??? É hora de arrumar alguma desculpa pra faltar  o ensaio!”

            O Dia dos Pais não era uma data muito agradável para Marcelo. Ele não tinha a quem homenagear. Nunca conheceu seu pai. Tudo o que ele sabia era que ele foi embora e abandonou sua mãe assim que ela engravidou. Não quis nem mesmo colocar o nome dele na certidão de nascimento do menino. Além de ter crescido sem a presença de um pai, ele ainda precisava passar pelo constrangimento de ter registrado em sua identidade: “PAI DESCONHECIDO”. Assim, bem seco. Direto como um murro na cara.

            “O que será que eu tenho de tão ruim que meu pai nem quis me conhecer?” – pensava ele. “Será que ele não sente a minha falta como eu sinto a dele? O que eu fiz pra ele ter ido embora desse jeito, sem nunca mais voltar?”

            Não foi fácil para o Marcelo conviver com essa situação. Quando era criança, doía muito olhar para os seus amigos na rua e ver que todos tinham um pai e uma mãe. Doía ver passando pela sua janela um pai segurando a mão de uma criança e o levando para a escola. Um pai jogando futebol com o filho, um pai carregando uma criança em seus ombros. Ah! Ele daria qualquer coisa, se pudesse, para experimentar pelo menos um pouquinho dessa sensação: a sensação de ter um pai. Ser amado e educado por um homem forte, protetor, gentil, amoroso, um herói. 

            Ele chegou a pedir um pai de presente, para o Papai Noel, numa cartinha. Escreveu a carta com o pedido e entregou para sua mãe colocar no Correio. Mas não deu muito certo. O pedido do presente não veio e ele ainda fez sua mãe chorar quando leu o que ele tinha escrito: “Querido papai Noel. Aqui é o Marcelo. Esse ano eu não quero pedir brinquedo. Eu só quero pedir uma coisa: será que o senhor teria por aí um pai pra me mandar de presente? Não precisa ser rico, nem bonito igual ator de novela, nem famoso igual jogador de futebol. Pode ser assim igual ao pai do Alvinho, que chega todo sujo e suado do trabalho na construção, mas ainda tem tempo pra brincar e fazer o dever de casa com ele. Sabe, a minha mãe é uma mãe maravilhosa, gosto muito dela, mas tem coisa que só um pai sabe fazer. Ela não sabe jogar videogame comigo, não sabe pescar, soltar pipa. Ela não sabe nem o nome dos Vingadores. Vê se pode uma coisa dessas? Bom, vou ficar esperando. Por enquanto é só. Obrigado!”

            Depois disso, Marcelo decidiu que não pensaria mais nesse assunto. Resolveu que ia enterrar essa dor bem lá no fundo do seu coração. Ele não precisava de um pai. Era nisso que ele se esforçava para acreditar.

            Mas de vez em quando, naquelas noites em que a gente perde o sono e que parece que estamos sozinhos no meio de bilhões de pessoas habitando um mesmo planeta, Marcelo pensava sobre isso e sentia novamente aquela dor o incomodando. Sentia uma raiva muito grande por tudo que aconteceu na vida dele e por pensar em como ele poderia ter sido se tivesse vivido ao lado de um pai. E foi numa dessas noites que ele olhou para o céu estrelado da janela do seu quarto e dirigiu uma pergunta a Deus: “Deus! Por que o Senhor permitiu que isso acontecesse comigo? Por que tantas pessoas têm um pai e eu não tenho? Será que o Senhor não me ama? Será que não se importa com o que eu sinto?” Marcelo não aguentou mais se segurar e chorou. Chorou aquele choro que sai rasgando tudo, como as águas arrebentando as barragens de uma represa. Chorou até adormecer.

            No outro dia, ao abrir os olhos, foi tudo muito estranho. Ele não estava entendendo nada. Era como se tivesse levado uma pancada na cabeça, ou tivesse acordado numa outra dimensão. Um cara que ele nunca tinha visto, entrou no quarto, meio agitado, e disse: “Levanta, menino! Estamos atrasados! Daí ele se levantou, meio mecanicamente, ainda meio sonolento, e o homem jogou algo em cima dele. Era o uniforme da escola. “Vista-se! Anda logo!” Daí quando Marcelo estava vestindo a calça, lá vem aquele sujeito estranho, desconhecido e diz: “Não vá se atrasar de novo, já estou saindo.” Quando Marcelo saiu, subiu em sua bicicleta, seguiu pela rua íngreme de casa, virou à direita, depois à direita de novo e então já parou na porta da escola. Ele não viu a mãe quando levantou, não havia café da manhã, e não deu tempo de perguntar nada pro homem.

            A rotina escolar foi normal, os mesmos colegas, professores, funcionários da cantina. Quando terminou a aula, o menino correu pra casa a fim de esclarecer toda aquela loucura da manhã. Ao chegar, a casa estava do mesmo jeito. A cama não tinha sido arrumada, não havia uma comida cheirosa no fogão, sua mãe não estava ali perguntando “como foi na escola hoje?” e nem mandando que ele levasse o lixo pra fora logo, porque o caminhão já ia passar. Daí ele foi ao quarto dela e levou um susto: nenhum sinal dela ali! Nenhuma maquiagem na mesinha, nenhum sutiã pendurado no cabide de bolsas – aliás nem o  próprio cabide estava lá. Não havia aquele cheiro bom do creme hidratante que ela usava todo o dia e, o mais incrível, a cama estava toda desgrenhada, e sem nenhum travesseiro. Ainda mais isso! Ela dormia sempre com dois travesseiros!

            Ele pensou em ligar para o celular dela, mas estava sem crédito nenhum. Daí abriu a geladeira, olhou desanimado pro interior, que só tinha uma caixa de leite aberta, uma panela com um resto de arroz grudado no fundo, e uns dentes de alho soltos, com as casquinhas sujando tudo. Então pegou um pacote de bolacha recheada no armário, ligou a TV e ficou ali esperando que alguma coisa acontecesse. Determinado momento, não havia nada que prestasse na televisão, então ele ficou mudando de canal, aleatoriamente. Deu vontade de ir ao banheiro e quando voltou, estava escrito na tela da TV Salmo 27.10 “Se meu pai e minha mãe me abandonarem, o Senhor me acolherá.” Uma música estava tocando ao fundo e logo depois um desses pregadores de televisão apareceu com o microfone e começou a falar aquela coisarada de sempre. Então Marcelo mudou o canal e estava passando um filme daqueles que passam de tarde. Mas como era muito “água com açúcar” ele acabou dormindo no sofá. 

            Acordou com a voz de sua mãe chamando: “Marcelo! Marcelo! Sai do sofá, menino! Vai dormir na cama! “Ufa! Que Alívio” – ele pensou. “Foi só um sonho! Graças a Deus! Não consigo imaginar minha vida sem ela. Deus cuida muito bem de mim e sabe exatamente do que eu preciso.” Em seguida pulou nos braços de sua mãe e deu nela um abraço bem forte. Foi para a sua cama e adormeceu feliz, pois ele sabe que já tem o melhor pai que alguém poderia ter, o Deus que criou todo o universo, e mesmo assim se interessa por cada pequeno coração.

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