sábado, 5 de outubro de 2024

As férias do Galo Bartimeu, por Bia Borges

Era verão na fazenda Capim Santo e um galo chamado Bartimeu era a figura mais descontente do lugar. O pobre galo se sentia cansado e desmotivado, não via mais sentido para o seu trabalho desgastante e estava a ponto de surtar, tamanha era sua exaustão.

            O dia amanheceu e o galo se pôs a cantar. Mas era um canto triste, desanimado. Parecia mais um lamento do que de uma saudação ao sol, que acabara de raiar.

            O cavalo, que já estava ali perto a pastar, notou a tristeza do amigo e perguntou:

_ Bom dia, amigo Bartimeu! Que tristeza é essa? Está tudo bem com você?

_ Bom dia, amigo! Não estou nada bem. Me sinto muito cansado e entediado de passar dias, meses e anos aqui, sempre no mesmo lugar, na mesma função e com as mesmas companhias. Não há ser vivo que aguente tamanho enfado. Se eu soubesse que minha vida seria assim, preferia ter nascido uma árvore, logo de uma vez, que era pra eu não ter esperança nenhuma de sair do lugar.

_ Não diga isso, amigo, nem de brincadeira! Você pelo menos escolhe o lugar onde dormir, você pode andar pela fazenda, beber a água gelada e cristalina do riacho… você só está cansado. É isso que está deixando tudo cinza. Eu acho que a solução é você tirar umas férias. Você já pensou nisso?

_ Férias? Um animal tirando férias? Nunca ouvi falar!

_ Pois então seja você o pioneiro. Quem sabe vira moda? Eu bem que ia gostar. Pegar a estrada, sair sem rumo… conhecer novos lugares. Deve ser muito bom!

_ Você tem razão…deve ser mesmo maravilhoso. Mas como eu faço isso? Tenho asas, mas não consigo voar o suficiente para viajar, como outras aves fazem. No primeiro quilômetro eu já ia me cansar. E além do mais, para onde eu iria? Nunca saí daqui. Nem sei pra qual lado eu seguiria viagem.

_ Eu tive uma ideia! Por que você não pega carona na carroça do leiteiro, quando ele vier amanhã? É só você subir quando ninguém estiver olhando, se esconder embaixo do banco e saltar da carroça quando você achar que chegou a algum lugar que te agrade.

_ Isso mesmo! Ótima ideia, cavalo! Mas… e como eu faço pra voltar? E se eu me perder? E se eu for muito longe e não souber mais voltar? E se algum lobo ou outro animal feroz me devorar?

_ Ah, galo! Você já está complicando demais! Vamos viver o HOJE. Hoje você vai preparar tudo e esperar pela carroça amanhã. O resto você vai ajeitando depois.

_ Ihhh, não sei não. Esse negócio pode dar errado!

_ Deixa de ser medroso, Bartimeu! Não era você que estava agorinha reclamando que queria sair, ver outros lugares, novas companhias e um tempo para descansar? Pois então! Esta é sua chance.

_ É isso mesmo, você tem razão. Eu vou sim. E vai ser uma aventura e tanto!

            Bartimeu passou o resto daquele dia arquitetando tudo. Ficava imaginando o que veria fora da fazenda. Como seria o mundo fora dali? E os perigos, será que deveria se preocupar com o que haveria de encontrar? A cabeça do pobre galo até doía de tanta agitação.

            Na manhã seguinte, conforme o combinado, Bartimeu esperou a hora certa e pulou para dentro da carroça. Enquanto o leiteiro conversava com o dono da fazenda, o nosso galo aventureiro se escondeu bem debaixo do banco e ficou o mais quieto que pôde. Mal a viagem começou e ele já estava adormecendo… a ansiedade era tanta que ele pouco dormira na noite passada.

_ Bom dia, “seu” Januário!

_ Bom dia, dona Carmem! Onde eu posso deixar o leite?

_ Entra aqui por este portão e deixe lá na cantina com as cozinheiras, por favor. Muito obrigada!

            Bartimeu acordou assustado e sem ter a mínima ideia de onde estava. Olhou à sua volta e viu um enorme pátio limpo e arborizado, com lindos canteiros floridos.

            “Hummm, acho que encontrei o local perfeito para as minhas férias. Me lembra muito a fazenda, mas com pouca terra e mais paredes em volta. Quem será que mora nessa casa tão grande e cheia de portas e janelas???” O galo então pulou da carroça mais do que depressa e tratou de achar um lugar para ficar menos exposto.

            Bartimeu escolheu um dos bancos que havia no jardim e se empoleirou. Respirou o ar fresco e fechando os olhos de tanta satisfação, disse consigo mesmo: Isso sim é que é vida! Era disso que eu precisava! 

“Iiiiiiiiooooooiiiiiiiinnnnnn!!!!!!”, tocou uma sirene ensurdecedora, derrubando o galo do banco. Como se isso não bastasse, em seguida saíram dezenas de crianças de cada porta daquela grande “casa”, que na verdade era uma escola, mas que Bartimeu não sabia, pois nunca havia estado numa escola antes. Tudo o que ele conhecia era o galinheiro e a fazenda onde morou por toda a sua vida até então. As crianças gritavam, riam alto, se empurravam e uivavam como lobos selvagens. 

As férias do Galo Bartimeu, por Bia Borges

_ Oh, céus! De onde saíram tantas crianças de uma vez? Como é possível morarem todas num mesmo lugar? Quantas mães e quantos pais será que moram nessa “casa”? Isso aqui é muito diferente do que eu imaginava!

“Zuuuupt!” uma bola passou a poucos centímetros de sua crista. “Este lugar é muito perigoso pra mim – pensou.

_ Hummm, que frango delicioso, Lorena – disse uma garota segurando um suculento prato de arroz com galinha.

“Eles comem FRANGO??? Meu Deus!!! Preciso sair urgentemente daqui!”

            Bartimeu correu para uma salinha cheia de baldes, vassouras e panos de limpeza, que estava com a porta aberta. “Ufa! Agora devo ter pelo menos alguns segundos de paz!”

O pobre galo mal concluiu este pensamento quando alguém veio e trancou a porta do quarto de despejo, deixando tudo escuro e assustador. “Oh, não! E agora, será o meu fim?”, pensou ele.

            Bartimeu passou o resto daquela tarde e a noite toda trancado naquele quarto, alternando entre pânico, desesperança e uma sensação de desmaio, até que de manhã, alguém destrancou a porta.

_ Valei-me! Quem é que trancou esse galo aqui, Raimunda???

_ O quê? Um galo, Zoraida??? Isso só pode ser obra daqueles pestinhas do quinto ano! Esses meninos estão cada vez piores, não sei onde isso vai parar!!!

            Aproveitando a porta aberta, Bartimeu reuniu todas as suas forças e saiu em disparada, batendo contra a carroça do leiteiro.

_ Mas o que esse galo está fazendo aqui? Esse é o Bartimeu, lá da fazenda Capim Dourado, onde eu busco leite. Como será que esse danadinho chegou até aqui? Vem, Bartimeu, sobe aqui que eu vou te levar pra casa!

            O galo fujão respirou aliviado por encontrar alguém conhecido e, de um só pulo, subiu na carroça, e foi se aconchegar debaixo do banco. E assim como no caminho de ida, ele também adormeceu na viagem de volta pra casa. Aquela tinha sido uma aventura e tanto!

            Ao chegar em casa, já no fim do dia, Bartimeu foi logo recebido pelo seu amigo, cavalo.

_ Mas já de volta, companheiro? Cansou das férias?

_ Férias? Você chama aquilo de férias? Você tá é louco! Eu prefiro cantar até ficar rouco do que passar pelo que passei: fui parar numa casa enorme, com portas e janelas sem fim, um bando de crianças que mais pareciam lobos selvagens, que tentavam me acertar com uma bola a todo tempo, monstros sanguinários comendo frango com arroz, sem falar numa coisa que berrava até quase estourar meus ouvidos.

_ Uma coisa que berrava? Seria uma vaca ou uma cabra?

_ O que era eu não sei, mas o barulho era enlouquecedor. Nunca mais me fale em férias. Nunca mais me venha com seus planos infalíveis. Essa experiência só serviu para me mostrar uma coisa.

_ O quê?

_ Eu não estava cansado, não. Eu estava era fora do meu juízo normal quando eu te ouvi. E agora me deixe em paz que eu estou a ponto de explodir de raiva!!!!

            O pobre cavalo saiu de fininho sem entender nada e, no caminho para a baia, encontrou com Leonora, irmã de Bartimeu, que lhe disse:

_ Cavalo, você viu o meu irmão por aí?

_ Vi, sim. Está lá debaixo daquela árvore na porta da fazenda. Mas se eu fosse você eu não iria lá agora, não.

_ Por quê – perguntou Leonora.

_ Porque o seu irmão está precisando de férias para descansar das férias!!!

Por Bia Borges

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