Era o primeiro dia de aula. Laura não podia controlar a ansiedade de chegar na sua escola e em sua sala para conhecer seus novos amiguinhos.
– Vamos, mãe! Nós já estamos bem atrasadas!
– Mas, Laura, são 5:30 da manhã! Você nem deixou o celular despertar! Era pra eu te acordar e não o contrário!
Laura não queria nem se sentar para tomar o café da manhã, mas diante da insistência da mãe, acomodou-se na cadeira, embora as perninhas não parassem de balançar. Tendo saído de casa meia hora antes do esperado, nem havia tanto trânsito assim para poder atrasar Laura e o pai, que dirigia atento pelas ruas da cidade.
– Enfim, chegamos! Papai, o senhor me ajuda a achar minha nova sala?
– Claro, minha filha!… Olha só! Aqui está! Essa é sua sala!
– Nossa!!! Não acredito!!! – interrompeu Laura! – A Catherine Teixeira é da minha turma!!! Ela é minha melhor amiga!
– Que ótimo, filha! Eu já vou, mas vou ficar te olhando do portão e quando tocar o sino e sua professora entrar, eu vou embora e te pego na hora do meu almoço, tá bom?
– Então tá, papai! Te amo!
– Também te amo, filhinha.
Aos poucos, os colegas foram chegando. Laura estendia a mão e se apresentava:
– Oi, meu nome é Laura, tenho 8 anos. É a primeira vez que eu faço o 3º ano. Você quer ser meu amigo?
– Oi, meu nome é Laura, tenho 8 anos e…
– Ahhhhhhhh!!! – interrompeu o menino, com um grito que assustou Laura.
– Calma, filho!… Desculpe, mocinha… qual é mesmo seu nome? Laura, você disse, né?
– Sim… respondeu chorosa a menina…
– Oi, Laura… meu nome é Sônia. Eu sou mãe deste menininho lindo, chamado Abel. Ele é um menino especial. Nasceu com uma condição que faz com que ele se agite muito em situações novas. Ele não gosta de aproximações bruscas, nem de toque e nem de muito barulho. Mas se você tiver paciência e souber se aproximar dele, vocês poderão ser bons amigos.
– Tudo bem, Dona Sônia! – falou ainda com a voz embargada a menina – eu não sabia.
– Sim, querida! Não se preocupe!
O sinal tocou. Quando todos entraram, Patrícia, a nova professora, passou a apresentar-se e a dar instruções para a turma:
– Olá, 3º ano! Eu sou a professora Patrícia. Estou muito feliz em poder começar um novo ano letivo com uma nova turma. Tenho certeza de que vamos aprender e nos divertir muito juntos. E falando em aprender, quero apresentar um coleguinha novo, o Abel. Sua mãe, a Dona Sônia, vai falar um pouco sobre ele para nós. Nós vamos cumprimentá-los de uma forma diferente! Vamos fazer de conta que ninguém pode saber que estamos aqui nessa sala. Então nós vamos falar cochichando. Vamos dizer um bom dia bem bonito, mas cochichando – disse Patrícia bem baixinho – para o Abel e sua mãe!
– Bom dia, Abel! Bom dia, D. Sônia! – disseram sussurrando os alunos com a ajuda da professora. Nesse momento, muitos olhares curiosos e até mesmo arredios se tornaram mais receptivos e complacentes.
Ao ouvir seu nome, Abel deu um sorriso tímido e quase imperceptível, com olhos voltados para baixo. “Bom dia!”, disse ele. Com ajuda da mãe, ele disse seu nome e sua idade e sentou-se por alguns minutos.
– Bom dia, crianças! Vocês foram muito educadas. Muito obrigada! – disse a mãe, com ar de aprovação. E prosseguiu:
– O Abel é uma criança especial. Ele foi diagnosticado com o transtorno do espectro autista. Logo cedo, meu esposo e eu percebemos que o Abel se desenvolvia de maneira diferente de outras crianças. A princípio nós achávamos que ele fosse meio “bravinho” ou muito sério, porque ele não sorria muito, quase nada. Ele não nos dava muita atenção quando chamávamos pelo nome dele. Então, procuramos um pediatra especializado, mas somente aos 3 anos de idade o diagnóstico dele foi fechado.
– Vocês ficaram muito tristes? – perguntou Lavínia, curiosa e compadecida.
– Olha, no começo foi bem difícil. Todo pai e toda mãe sonham que seus filhos estejam dentro do padrão das demais crianças. Então você descobrir que seu filho tem uma condição diferente traz muitas dúvidas, inquietações e até dores ao coração da gente. Mas, sabe… o amor é um sentimento poderoso que Deus coloca em nossos corações. Nós aprendemos a amar o Abel desde o primeiro momento que descobrimos minha gestação. A cada ultrassom, o amor ia tomando mais formas e quando ele nasceu, o amor se materializou em nossos braços. Quando o diagnóstico do Abel foi fechado, nosso amor por ele já era maior que qualquer dúvida, inquietação, dor, ou tristeza!
Todos escutavam atentos e silenciosamente. Um silêncio nunca imaginado em uma turma de 3º ano!
– E como as pessoas da família de vocês reagiram ao descobrir a doença do Abel?
– Oi, Laurinha! Você eu já conheço! (Risos). Sua pergunta é muito interessante e importante para explicar algumas colocações erradas das pessoas. O autismo, não é uma doença! É uma condição biológica. O autista vai se adaptando no tempo e no modo dele ao mundo, e as pessoas vão se adaptando ao autista à medida que o ama e se aproxima dele. Eu digo que ele é um mensageiro do amor, pois com ele aprendemos a amar e nos doar por amor a ele. Por exemplo, vocês demonstraram muito amor e respeito com o Abel e comigo ao falar baixinho para nos cumprimentar. Mas nem todas as pessoas são assim sensíveis ou compreensivas. As pessoas geralmente julgam o que não conhecem e dão opiniões sem dominarem o assunto. Com a família e amigos não foi diferente. Não foi fácil e ainda não é. Mas as pessoas que nos amam e amam ao Abel têm aprendido a cada dia a se relacionar conosco e a demonstrar seu amor pelo meu filho, e somos muito gratos a eles.
– Mensageiro do amor! – sussurrou Abel, que agora sentara-se num canto da sala com a professora Carmem, que o envolvia em atividades lúdicas que lhe prendiam a atenção.
Neste momento, a professora Patrícia encontrou uma ocasião oportuna para apresentar a professora de apoio:
– Crianças, esse é a professora Carmem. Ela é especialista em educação de crianças com condições especiais. Ela será muito importante na nossa turma, para o desenvolvimento do Abel e para o nosso relacionamento com ele. Como a Dona Sônia explicou, nós não sabemos tudo. Nem mesmo eu que sou professora. Eu não tenho formação em educação especial. A Carmem tem. E nós vamos aprender muito com ela e com o Abel.
– Mensageiro do amor! Missão de amor! – sussurrou mais uma vez Abel, recebendo como resposta um sorriso cordial da professora.
Aquele foi um início de ano diferente para Laurinha. E também para seu pai, que não estava acostumado com tanto silêncio dentro do carro depois da aula. Por fim, ele cansou de esperar a filha falar alguma coisa e perguntou:
– Aconteceu algo na aula, minha filha? Você está tão calada!
– Papai, pela primeira vez um amiguinho não quis fazer amizade comigo! – e dizendo isso, desabou a chorar.
– Como assim? Por que não? Me explica direito!
– Papai, o Abel é autista e ele não fala comigo e nem brinca comigo como as outras crianças fazem. Será que por causa do jeito que eu cheguei nele, ele nunca mais vai gostar de mim? Acho que ele não gosta de mim! – e começou a chorar novamente.
– Não é isso, minha filha! Essa é uma situação nova para você, para sua turma, para a escola…
– Até para a professora, papai? – interrompeu a menina.
– Sim, até para a sua professora. Por isso é tão importante a presença do professor de apoio. Tinha algum professor de apoio na sua sala hoje?
– Sim, papai, era a professora Carmem. Ela vai ficar o tempo todo com o Abel na sala de aula.
– Papai! Acho que o Abel vai gostar de mim sim!
– Eu também acho, minha filha! É impossível não gostar de você! – disse o pai, apertando as bochechas da filha.
– A mãe dele disse que o Abel é um mensageiro do amor! Ele tem uma missão de amor.
– Como assim?
– É que ele veio ensinar que a gente pode conviver com todo mundo se tiver amor.
– Nossa! Muito bonito isso, minha filha! E é uma grande verdade. A Bíblia ensina que nós não podemos dizer que amamos a Deus a quem nós não vemos, se nós não amarmos o próximo a quem nós vemos. E que todos os mandamentos se resumem no amor: Amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como nós mesmos.
Naquele dia, passado o incidente inicial, Laurinha voltou a ser como ela sempre foi: falante e comunicativa! Passou o dia falando sobre Abel, sobre as professoras e os mensageiros do amor. Ela também queria ser uma mensageira do amor. Naquele ano, tudo foi diferente. Abel ensinou ao seu modo, sem muitas palavras, sem muitas trocas de olhares, que o amor nos transforma e nos faz acolher as pessoas.
E com a ajuda de Carmem, a professora Patrícia conseguiu se aproximar de Abel, assim como algumas crianças. Os três melhores amigos de Abel na escola eram Carmem, Laura e a professora Patrícia. Elas se tornaram também mensageiras do amor.
Por: Jorge Henrique da Silva