sábado, 5 de outubro de 2024

Um romance para Duda

_ Não me abandone, Pedro Diego!
_ Eu não vou te abandonar, Cristina Monalisa!
_ Jura, Pedro Diego???
_ Por tudo o que é mais sagrado, Cristina Monalisa!
_ Como vou saber que estás falando a verdade, oh, meu Pedro?
_ Vou provar-te, oh, preciosa Cristina!
_ E como é que vais me provar o seu amor, jovem mancebo?
_ Eu vou…

_ Maria Eduarda!!! Desliga essa televisão e vem me ajudar aqui na cozinha!!!!
_ Ah, mãe! Na melhor parte da novela – resmungou a menina.
_ Não faz diferença perder um ou dois capítulos. Essas novelas são todas iguais! Amanhã você assiste o resto.
_ Tudo igual, nada! Nenhuma novela é tão emocionante quanto esta, “Labaredas da Paixão sem Fim!”
_ Ah, credo! Você perde tempo demais com besteira, menina! Deveria ocupar sua cabeça com coisa melhor. Deveria estudar, por exemplo. Suas notas em Matemática estão mais vermelhas que o batom da “Cristina Saionara”, aí da novela.
_ É Cristina Monalisa, mãe!
_ Ah, tanto faz. Já disse que são todas iguais. É sempre a mesma história: a mocinha sofredora e ingênua, o galã musculoso, forte, porém gentil, valente, porém sensível, que enfrenta meio mundo para conquistar sua amada e juntos vencerem um amor impossível e viverem felizes para sempre. Mas antes desse “para sempre” eles sofrem a novela toda. Aparece uma vilã para inventar alguma mentira e separar o casal (muito burro, por sinal, porque era só eles conversarem para desfazer o mal entendido, mas não. Preferem dar ouvidos a alguém que nem faz parte da vida deles). Aí lá no penúltimo capítulo da novela eles se reencontram e vivem felizes para sempre até no outro dia. Aí acaba a novela com eles se casando e com meia dúzia de filhos, pelo menos. Eu não sei como você aguenta. Desde que o mundo é mundo que o roteiro é o mesmo, com poucas variações; é daí pra pior.
_ Nossa, mãe! Como a senhora é insensível!!! A senhora não gosta de romances? Toda mulher adora uma bela história de amor.

_ Gosto sim, minha filha. Mas gosto de amor de verdade, e não essa pataquada aí que você assiste.
_ Pata… quê?
_ Pataquada. É uma gíria do meu tempo. Significa besteira, palhaçada, coisa ridícula.
_ Hum.
Olha, Duda… senta aqui, vamos conversar. Não é que eu não goste de romance. Eu gosto. Quase todo mundo gosta. Toda mulher quer sim, viver uma grande história de amor. Acho que quase todos os homens também sonham, eles apenas têm vergonha de admitir. Mas amor não é só historinha de filme e novela. O amor é muito mais que isso e nem sempre é fácil. Meu medo é você se iludir e achar que tudo tem que acontecer igual nos contos de fadas. E de repente você pode desprezar uma pessoa maravilhosa só porque ele não adivinhou todas as fantasias que você criou aí nessa sua cabecinha mirabolante, entende? Nossa, mãe! Não sabia que você me achava tão bobinha assim!
_ Não é isso, minha filha, você não é boba. Mas é sonhadora, não é? E você é muito nova ainda, você está começando a viver. Tem muita água pra rolar embaixo dessa ponte.
_ Que ponte, mãe? Do que você está falando?
_ É só um jeito de dizer, minha filha – disse a mãe sorrindo – isso significa que ainda tem muita coisa pra acontecer, muitas aventuras pra você viver. E não fique ansiosa. Tenho certeza de que você vai viver sua história de amor. Apenas tenha paciência e sabedoria. Fique de olhos bem abertos e não caia em qualquer conversa. Falar é fácil. Qualquer um pode te prometer o céu, a lua e as estrelas. Mas a prática é que é difícil. É muito mais fácil um homem te comprar um caminhão de flores do que levantar do sofá e ir lavar a louça da janta. Vai por mim! Escute sua mãe!
_ Tá bom, mãe. Prometo que vou te ouvir.
_ Assim espero, dona Maria Eduarda! Assim espero!
As duas continuaram conversando e trabalhando animadamente até colocarem tudo em ordem. Naquela noite haveria uma pequena festa de aniversário para Nelsinho, o irmão mais velho de Maria Eduarda e ela tinha um motivo especial para estar ansiosa: o melhor amigo de Nelsinho, o Vítor, viria para a festa.
Vitor era uma “paixonite” antiga de Duda. Ele e o irmão dela estudavam juntos desde o oitavo ano, quando eles tinham treze anos e ela, apenas dez – uma “pirralha” – como Nelsinho gostava de deixar bem claro. Mas era só uma paixão platônica, dessas que a pessoa apenas admira a outra, mas não se declara nem se aproxima. Apenas admira (e suspira) à distância. Já tinha um tempo que ela não o via porque agora Vítor e Nelsinho estavam no Ensino Médio e além de estudarem em um turno diferente do dela, os dois amigos tinham arrumado seu primeiro emprego e por isso quase não sobrava tempo para Vítor visitar a casa dela, como fazia antigamente.
A noite chegou e a cada vez que alguém tocava a campainha, Maria Eduarda sentia seu coração disparar. A qualquer momento seu “crush” poderia entrar pela porta da sala. Como será que ele estaria, depois de meses sem se verem? Será que ele notaria que ela estava mais velha, “mais madura” (segundo ela mesma)? Será que ele já tinha deixado de pensar nela como uma pirralha e começaria a prestar atenção nela como uma linda mulher?
_ Maria Eduarda – chamou a mãe lá da cozinha – vai trocar o lixo do banheiro, que eu me esqueci de fazer isso mais cedo!
_ Poxa, mãe! Por que eu? Eu estou toda arrumada!
_ Ai, menina, deixa de frescura! Troca o lixo e depois lava a mão. Pronto!
Duda saiu contrariada e saiu pisando duro rumo ao banheiro. Abriu a tampa da lixeira, fez cara de nojo e puxou a sacolinha cheia de lixo, amarrando as pontas com um nó. Colocou uma sacola nova no lugar e saiu para colocar a sacola cheia na lixeira da calçada.
E foi bem nessa hora, quando ela fez a curva para sair do banheiro com a sacola na mão, que ela deu de cara com Vítor, bem de frente pra ela, quase sendo atropelado pela sacolinha “perfumada” de papel higiênico sujo e outras “substâncias” nada agradáveis.
_ Oi – disse ela, desejando que um buraco se abrisse para ela se jogar nele e sumir.
_ Oi, pirralha! Você quase me atropela, hein – disse ele provocando e sorrindo, com aquele sorrisinho lindo que ela se lembrava muito bem.
_ Eh, desculpa! Eu não vi que você tinha chegado. Dá licença, eu vou ali fora rapidinho deixar o lixo e já volto.
Maria Eduarda saiu apressadamente com o rosto quase pegando fogo de vergonha. “Ele tinha que chegar bem nessa hora???”, pensou.
Ela deixou a sacola na lixeira, voltou correndo pra dentro de casa, lavou as mãos, passou seu hidratante preferido e começou a pensar numa estratégia para ficar perto de Vítor sem levantar muitas suspeitas.
_ Filha, me ajuda aqui com os salgadinhos?
_ Claro, mãe, tô indo!
Duda arrumou cuidadosamente os salgadinhos na bandeja, garantindo que teria um pouco de cada variedade para agradar a todos os convidados. Respirou fundo e tentou se acalmar para que nenhum acidente acontecesse quando fosse andar pela casa, servindo as visitas. Foi nessa hora que ela ouviu atrás de si aquela voz que fazia o coração dela disparar:
_ Posso te ajudar a servir, Duda?
_ Na-não precisa….Vítor!
_ Ah, precisa sim! Eu quero uma desculpa pra ficar perto da bandeja dos salgados – disse ele sorrindo.
_ Ah, claro! Entendi! Então vamos juntos, eu sirvo os salgados e você, o refrigerante.
E assim a noite prosseguiu. Os dois servindo juntos, conversando, se divertindo, atualizando as novidades sobre a vida um do outro. Em um certo momento eles se sentaram para descansar depois dos parabéns e dos docinhos e ficaram ali naquele fim de festa, quando quase todos já foram embora e só ficam os convidados mais íntimos da família.
_ É, garota. Formamos uma bela dupla. Acho que vou te chamar pra fazer uns bicos de garçonete comigo.
_ Sai fora, eu não nasci pra isso não! Não consigo andar a noite toda pra lá e pra cá servindo mesas, não. No final da primeira noite eu já nem sentiria mais meus pés de tanto cansaço.
_ Ah, pirralha! Você precisa ser mais resistente! Cadê aquela garra e determinação que você tinha quando a gente se conheceu? Você brincava e pulava sem parar, parecia até aquelas pilhas de duração infinita!!! Há!Ha!Ha!
Os dois sorriram e continuaram conversando até que finalmente Nelsinho conseguiu se despedir dos convidados e foi se sentar à mesa com Maria Eduarda e Vítor, acabando com todo aquele clima de “primeiro encontro”.
_ E aí, cara – disse Nelsinho – que legal que você veio! Eu queria muito te encontrar. Quase não temos mais tempo de sair juntos!
_ É verdade, irmão. Não tá fácil não. É trabalho, é estudo, é essa pressão pra gente escolher uma faculdade, uma profissão pra seguir… às vezes parece que não tenho tempo nem pra respirar. Chego em casa, caio na cama e de repente, já é hora de levantar de novo.
_ É exatamente isso, mano. Comigo também é a mesma coisa. Mas até que nem acho tão ruim. Tô aprendendo muito lá no meu emprego novo e tô juntando uma graninha pra comprar minha primeira moto logo, logo. Não é lá grande coisa, mas já vou poder parar de andar de ônibus todo dia, apertado igual uma lata de sardinha.
_ Que legal, cara! Eu também tô tentando economizar o máximo que eu posso.
O pai de Maria Eduarda e Nelsinho apareceu e chamou o filho lá pra fora. Queria que ele o ajudasse a manobrar o carro na garagem estreita deles. Qualquer descuido era um amassado novo no carro. Enquanto isso, Vitor e Duda ficaram sozinhos novamente.
_ E então Duda, é o seguinte, eu vou ter uma folga nesse sábado à noite. Será que seus pais deixariam você ir ao cinema comigo? Se você quiser, é claro.
O coração de Duda quase saiu pela boca.
_ Ehhh…. não sei…. acho que eles deixam, mas você vai ter que perguntar pro meu pai.
_ Claro, já vou falar com ele, assim que ele terminar de guardar o carro ali. Mas e você, quer ir ao cinema comigo?
_ Bom….depende.
_ Depende do quê?
_ Você gosta de lavar louça?
_ Como é que é? Você é mesmo uma figura, garota!
Os dois sorriram e naquela noite, antes de dormir, Maria Eduarda anotou em seu diário: “Querido diário, acredito que hoje comecei a viver a minha própria versão de ‘Labaredas da Paixão sem Fim’. Aguardo ansiosamente as cenas dos próximos capítulos!”

Por: Bia Borges

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